Por Que Devemos Continuar Usando Hinos em Nossos Cultos
26 de October de 2016A Importância de Cantar a Verdade
3 de November de 2016
Além de estar no centro de um novo movimento teológico, Lutero estava também no centro de um novo movimento musical. Martim Lutero foi, dentre os reformadores do seu tempo, o único a reconhecer o valor inestimável da Música e de recebê-la de braços abertos. Lutero pensou, trabalhou e utilizou a Música de modo singular na sua época, dispensando especial atenção para o uso e a função que a mesma passaria a ter na Igreja. É certo que ele apreciava todas as artes, a pintura, a escultura, a arquitetura. Isto porque ele entendia e enfatizava as expressões artísticas como parte da criação de Deus, uma dádiva de Deus para ser usada na proclamação da Palavra.
Entretanto, é certo também que, sobretudo, Lutero amava a Música e, em suas preleções sobre Gênesis (1535-1545), escreveu: Os milagres que se apresentam aos nossos olhos são muito menores do que aqueles que apreendemos com os nossos ouvidos. Sobre a Música, disse também, em 1538, no prefácio que escreveu para uma coleção de canções intitulada Symphoniae iucundae (que quer dizer ´Música agradável´) e que é um dos seus escritos mais completos e ´sistemáticos´ sobre Música: A Música é uma esplêndida dádiva de Deus e eu gostaria de exaltá-la com todo o meu coração e recomendá-la a todos […] e, por mais que eu queira exaltá-la [a Música], a minha exaltação será insuficiente e inadequada.
Com base nessa particular e profunda perspectiva, Lutero iniciou, sem meios termos, a ´sacudida´ mais completa que a música sacra já recebera, ou seja, estabelecer o canto comunitário como ingrediente vital do culto, colocando a música nos lábios e nos ouvidos das pessoas e, consequentemente, nos seus corações e na sua estima.
A partir deste conceito reformador, Lutero possibilitou que a Música e o canto comunitário, uma atividade que era apenas tolerada e aparecia em raríssimas ocasiões na Igreja medieval, adquirisse um novo status, o status de elemento central e indispensável no culto da Reforma Luterana. Assim Lutero o fez, porque estava convicto que não era suficiente que as pessoas estivessem apenas presentes às missas (cultos), mas as suas súplicas deveriam ressoar dos seus próprios lábios por meio de canções que pudessem traduzir o arrependimento e a contrição das suas almas e a sua fé e o seu louvor irromperem jubilosos em canto e música. Martim Lutero vislumbrou isso de modo especial por meio do que mais tarde foi denominado Coral Luterano, colocando em textos poéticos, na língua comum e em melodias cantáveis e bem compostas, a Palavra e a fé evangélica. Rapidamente, os hinos da Reforma espalharam-se pela cultura oral da Alemanha do século XVI.
Não há dúvidas de que um dos maiores aportes de Lutero foi o seu entendimento de que a música da Reforma deveria falar sobre o Evangelho diretamente para as pessoas. Ele estava convicto de que o tipo de hino que uma congregação canta determina o tipo de Teologia/espiritualidade destas pessoas. Caso se queira que esta Teologia/espiritualidade reflita o Evangelho, então, há que se ter em alta consideração e se cuidar muito bem daquilo que está sendo cantado pelas pessoas. Lutero pôs as mãos à obra, cercando-se da ajuda e do conhecimento dos melhores Poetas e Músicos da época, que ele fez questão de escolher a dedo. Lutero e os seus colaboradores não rejeitaram as tradições musicais da sua época. Pelo contrário, de forma genuína e genial, usaram e incorporaram à música das Igrejas da Reforma as práxis musicais existentes! Atentemos para algumas dessas principais práxis.
A música da Reforma Luterana herdou a grande tradição musical da Idade Média e da Renascença, que consistia basicamente da música polifônica e do canto gregoriano. Nestas ricas tradições, praticamente não havia espaço para o canto congregacional de cunho popular. Diferentemente, outra grande tradição musical da época da Reforma, a versão metrificada dos Salmos cantada em uníssono e a cappella (sem acompanhamento), abria vastas possibilidades para o canto congregacional. Nesta tradição, não havia espaço para uma arte musical mais elaborada. Lutero e as gerações de Músicos luteranos que o seguiram nos séculos posteriores fizeram uso de ambas as correntes, combinando a tradição musical mais artística e elaborada com o canto congregacional de cunho popular.
O resultado musical desta combinação foi o Coral Luterano, com os seus textos poéticos centrados no Evangelho e escritos no vernáculo (na língua local) e não mais em Latim, com melodias vigorosas e com saltos e extensões de voz pensadas para o canto grupal, com cadências (pontos de repouso) ao final das diversas frases, com estruturas rítmicas fortes e baseadas em padrões de ritmo recorrentes. No seu conjunto, estas características resultaram em composições musicais em que texto e melodia formam uma totalidade, permitiram que o Coral Luterano fosse percebido como algo familiar e possibilitaram que comunidade, Coros e Instrumentistas se sentissem confortáveis, ´em casa´, enquanto cantavam e tocavam.
Lutero levou adiante a sua reforma na Música, ocupando-se não apenas com resultados musicais finais, como adaptação e composição de novos hinos, escritos sobre Música, publicações de hinários, missas cantadas, etc., mas, como educador que era, preocupou-se igualmente com a base, com a formação e o ensino. Lutero tinha clareza que a Música deveria ser uma parte integral da educação das crianças e da formação de Professores e Ministros e foi inflexível em acentuar essa importante tarefa. Dentre várias das suas falas a respeito, salienta-se: A necessidade exige que a Música permaneça nas escolas. Um Professor deve saber cantar, do contrário não o considerarei. Antes que um jovem seja admitido ao Ministério, ele deve praticar Música na escola.
Martim Lutero agiu diretamente com as instâncias públicas, responsáveis pela educação e formação de lideranças. Em 1524, Lutero escreveu e fez recomendações ´Aos Conselhos de todas as cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas´, destacando sobre a Música: Falo por mim mesmo, se eu tivesse filhos e tivesse condições, não deveriam aprender apenas Línguas e História, mas também deveriam aprender a cantar e estudar Música. Mais tarde, já pai, ele escreveu ao Reitor Marcus Crodel: Estou lhe enviando meu filho João para que seja incluído no grupo de meninos que serão instruídos em Gramática e Música […]. E diga a Johann Walther que eu oro por seu bem estar e que confio meu filho a ele para aprender Música, pois eu, é claro, formo Teólogos, mas gostaria também de formar Filósofos e Músicos.
Johann Walther, a quem Lutero enviou o seu filho para estudar Música, é considerado o primeiro chantre (Diretor Musical) luterano e foi um dos grandes Compositores e Poetas da época, além de conselheiro musical e amigo pessoal de Lutero. Em 1538, Walther publicou uma obra em rimas, de cunho didático, intitulada ´Louvor e Exaltação à Arte da Música´, na qual desenvolveu toda uma Teologia da Música. Para esta publicação, ele pediu a Lutero que escrevesse um prefácio. Acompanhando o espírito do escrito de Walther, Lutero escreveu em versos o ´Prefácio a Todos os Bons Hinários´ e, seguindo o costume de Poetas, Pintores e Escultores da época, de representar a Música como uma figura feminina, colocou os seus versos nos lábios da ´Dama Música´ (citado em um fragmento abaixo), exaltando as suas qualidades, expressando a sua admiração e libertando a Música de uma gama de ideias que limitava o seu uso e as suas possibilidades, tendo-a como uma atividade essencial e vivificante na Igreja, uma legitima viva vox Evangelii, a viva voz do Evangelho.
A Dama Música [assim diz]: Dentre todos os prazeres sobre a terra não há maior que seja dado a alguém do que aquele que eu proporciono com meu canto e com doces sonoridades. Não pode haver má intenção onde houver companheiros cantando bem, ali não há zanga, briga, ódio nem inveja; toda mágoa tem que ceder, mesquinhez, preocupação e o que mais atribular não mais oprimem o coração. […] E, [a música] rainha de todos, rouxinol que o coração de todos alegrará com o seu canto maravilhoso. Por isso, devemos ser-lhe sempre agradecidos. mas primeiro a Deus, nosso Senhor, que por sua Palavra a criou para ser sua própria cantora e da música amante. Para nosso querido Senhor ela entoa seu cântico, em seu louvor noite e dia, a ele eu ofereço meu canto e agradeço por toda a eternidade.
Por: Prof. Dr. Werner Ewald. Fonte: Jornal Evangélico Luterano, 2012, outubro
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